Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Tatuagens

Ela ainda era muito criança, tinha apenas oito anos; Sentada sobre algumas pedras olhava seu braço com uma certa tristeza; No seu olhar um imenso vazio se criava a partir daquela imagem, a memória de como havia conseguido a cicatriz desaparecera, ficava horas a admira-la, talvez em busca de sua resposta. Não queria ouvir de ninguém a história. Precisava achá-la em seu próprio universo. Mas o esforço era imenso e inútil, simplesmente aquele dia havia se apagado... mal compreendia que essa falta de memória a preservava de mais sofrimentos. Começou a desenhar sobre a marca, tentou fazer daquilo algo bonito. Juntou suas lembranças boas e suaves, de formas e cores, e desenhou... A partir daquele dia, começou a usar os desenhos como proteção, era como se fosse seu amuleto secreto, algo que não poderia se perder nunca e fosse só seu. Assim, todo dia, logo ao acordar, pensava em algo que lhe inspirasse proteção, algumas vezes usava o mesmo desenho repetidamente... A marca já não era mais importante, agora os contornos sobre ela tinha um significado maior. A protegiam de si mesma, esse era o segredo que nem ela poderia supor. A memória só conseguia ir até algumas horas antes do acidente e voltava dias depois. Lembrava apenas de ter dormido muito e, pensava ter acordado no céu. Olhava em sua volta e não, não estava no céu; estava em casa. De volta aquela casa em que fora criada, a casa branca, grande. Ao lado de sua cama, a cama de sua irmã. Estava vazia, onde ela estaria?? Pq não estava ali p/ lhe contar o que havia acontecido?? Estava em outro comodo, foi lhe negado a vista da irma por um longo tempo. Talvez tempo suficiente p/ que ambas se recuperassem. Ela precisaria de repouso, descansar seria bom e lhe parecia agradável. Sua irmã precisaria lutar com sua lembrança. Precisaria evitar o assunto. Fazia parte da recuperação... As meninas nunca conseguiram restaurar a cumplicidade de antes, nunca mais estiveram verdadeiramente juntas. A pequena menina, agora estava sozinha. E assim começou a reconstruir seu mundo, entre desenhos, pessoas solitárias  que não sabiam sorrir, entre histórias sobre ipês e ursos cor de caramelo que usavam lenços no pescoço...  E no seu outro braço sempre usava  uma fitinha vermelha.

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