Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sábado, 28 de abril de 2012

Um olhar


Amo as palavras 
não creio na maioria 
apenas respeito 
como sagradas 

São vazias 
precisam de contexto  
Maleáveis 
mutáveis  
passíveis de correção 

Creio apenas no que sinto 

Acreditava no que via 

Certa vez me vi em  olhos que brilhavam 
brilhavam palavras 
palavras que brilhavam de sentir 
sentir que tinha medo de acreditar
olhos que partiram

Palavras que se perdem quando sentem...





Infância



Criança pura que deita na grama e pede ao céu:
- Estrelinha cadente, se achar uma hoje, peço à ela que existam mais estrelinhas cadentes...



Roteiro inverso


Do que ficou:
marcas

do cheiro
do gosto
da mão

Do que não foi:
uma história

Do que vai ser:
uma recordação  ( doce )

Do mais bonito:
tua nudez nas palavras

Do mais claro:
teu medo cru

Do mais abstrato:
enredo inimaginável
improvável
real

Do sentimento:
um quase sentimento...



terça-feira, 17 de abril de 2012

Do Aroma que tem um cheiro



Não quero simplesmente suspirar, quero o cheiro.

Comer o cheiro leve da pêra e o cheiro doce dos morangos. Degustar as gotas do cheiro do vinho misturado na língua com a saliva morna, tua.

Para acordar, cheiro de laranja espremida, café fraco ainda, quente. Cheiro da água do banho, do pé no ladrilho frio. Cheiro da toalha macia e do roupão grande, corpo úmido. Cheiro de dia inteiro.

Sair de casa e encontrar o cheiro do sol, do asfalto e de tudo isso junto. Cheiro de plátanos perto da estrada.

Para o sorrir pode ser cheiro de salsa, chuva e o cheiro que tem os livros. Se for sorriso tímido pode ter cheiro de figos, gargalhada mistura cheiro colorido dos damascos. Os cheiros amarelos parecem sorrisos.

Se precisar de um cheiro calmante quero alecrim. E para as horas impacientes cheiro de mato, de terra e de água corrente. Cheiro de pedra e de madeira.

Para fugir do mundo nas quintas-feiras, só o cheiro do cinema. Depois cheiro de café e maçãs. Cheiro do vento leve. Um cheiro distante.

No fim do dia insano, um cheiro forte, escuro, uísque, cheiro de lugar sombrio. Cheiro com um pouco de música.

Quando for dormir quero o cheiro seco do lençol, o cheiro único do travesseiro. Se for dormir contigo quero apenas cheiro de corpo cru, nu. O cheiro do beijo e da boca, do corpo e da pele. Do suor e do cansaço. O cheiro da urgência  e depois cheirar teu sono até adormecer nele. Cheiro de noite pura.

No fim a saudade se afoga no cheiro... e sente, e lembra, e quer. Evapora (r)


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Uma teoria sobre os dias da Semana




Os dias e suas peculiaridades:

  A segunda costuma ser um dia improdutivo. Nada de relativa importância acontece ainda. O mundo está em recuperação, meio fora de ritmo. Se você sofrer um infarto, as chances de ser em uma segunda-feira é maior do que nos outros dias da semana.

 As terças são estressantes, o trabalho não acabado da segunda improdutiva está acumulado, o nível de estresse aumenta consideravelmente.

  As quartas são melosas. Dia de namorar, de cinema, de jantares românticos. Definitivamente é um dia doce para alguns e para outros, dia da dor de cotovelo.

 Quinta é  bastante produtiva, tudo que não foi resolvido durante a semana costuma ser despachado. As quintas também são sexys e não sou só eu que acho isso, um recente estudo Inglês considera essa data como a melhor  para o sexo, existe um aumento do cortisol natural, que estimula os hormônios sexuais. Quinta  é escolhido pelos amantes como o dia ideal, encontros clandestinos ocorrem com maior frequência nesse dia no horário do almoço.

  As sextas-feiras são caóticas, a preparação para o final de semana e o acúmulo de estresse dos dias anteriores, fazem das sextas, difíceis. O estresse  também contribui para o aumento de acidentes de trânsito, algo em torno de 17% mais do que nos outros dias. Deixar para resolver algo em uma sexta depois das 16 hrs pode ser bastante complicado.

 Os sábados são neutros para muitas pessoas, dia de descanso e organização doméstica. À noite o perfil muda um pouco, quem costuma sair  consome álcool em doses muito mais elevadas do que em qualquer outro dia da semana.

 Domingos de atletas de finais de semana e crianças super agitadas. Depressão pré-segunda também é comum.


 Como toda teoria precisa de exceções e segundo Nelson Rodrigues toda Unanimidade é burra, nos resta aproveitar o dia!


Carpe Diem !!!


segunda-feira, 9 de abril de 2012

Negro









Tu, a porta e eu



 São solidões simétricas, não opostas, talvez paralelas. Com quilômetros exatos e endereço fixo, horários incertos e bagagens simples.

  Solidões literárias que se fazem companhia, solidões quase cibernéticas.

  Cafés, sucos e proteínas. Clarice, Dostoiéviski e Beethoven. Uma distância linear, uma proximidade musical.

  Talvez receio, talvez medo ou só a  ausência da coragem. Talvez tudo, ou somente uma tremenda falta de sorte.
      
  Talvez tu venhas aqui, talvez melhor ai. Talvez hoje...

  Não sei... Te sinto e não tenho chave. Te conheço e sei que a porta fica aberta...



domingo, 8 de abril de 2012

Morangos, um chá e o livro


   Fechar o livro agora sem marcar página alguma, sem ter que lembrar o parágrafo ou um conto inacabado, somente fechá-lo...

   Foram algumas semanas, nunca me demorei tanto em uma leitura como esta, confesso, não queria " acabar " de ler, queria ficar um pouco mais aqui.

   Ler Caio Fernando Abreu é como estar sentado na varanda, na sua poltrona favorita em uma manhã de outono, tomando chá de maçãs colhidas por sua avó. É mais do que somente ler, é estar naquele livro, ou ser aqueles escritos por um determinado tempo.

   Não sei escrever críticas e nem me atreveria, ( é o Caio! ). Sobraram apenas impressões. Demais. Com letras maiúsculas, pontos de exclamação e inúmeras interrogações.

  Uma única afirmativa : - Leia Caio Fernando Abreu.

   Pelo mesmo motivo que deves ler Clarice Lispector e Pablo Neruda.

   Leia Caio no outono, Clarice no inverno e Pablo na primavera. Nunca os leia no verão, por mais ameno que seja, não combinaria. Também não acompanhe seu chá com biscoitos se estiveres lendo Caio.

   Será de grande valia se tiveres um amigo com quem possas compartilhar a experiência dessas leituras. É verdadeiramente importante conversar um pouco sobre o que se passa nesse tempo peculiar. A intensidade com que as palavras surgem te farás compreender essa necessidade, como se fosse algo grandioso demais para ser contemplado à sós.

   Não é complexo, tão pouco simples. É autêntico, intenso, ácido e embolorado. É forte, inesperado e belo. É verdadeiro. Cru. É nu. Essência de palavras.




  Morangos Mofados - de Caio Fernando Abreu, escrito de maneira densa, pontuado de pequenos significados. Um livro capaz de te deixar sentado na varanda, com o chá esfriando e o pensamento lá longe ( onde talvez as coisas pudessem ser diferentes )
  






 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Giulia





   Em dois de abril, quinze anos antes eu nasci mãe, junto com a Giulia.

   Eram dedinhos que pareciam gravetos, contei cada um deles e as duas pombas continuavam na janela, nós duas vimos e sentimos a calma de nascer juntas.

   Foi a primeira filha, a primeira neta, a primeira sobrinha, enfim, modificou nossas vidas para sempre. E foram também os melhores pulmões que conheci, como chorava aquela criaturinha minúscula, aquele pacotinho encantado queria colo, e não qualquer colo, mas durante dois longos anos apenas o meu colo. Na verdade acho que a Giulia neta e sobrinha nasceu dois anos depois.

    Com oito meses começou engatinhar, com onze meses começou caminhar  e 15 dias antes de fazer um aninho, aquele misto de boneca e menina começou falar, nasceu naquele dia uma tagarela.

    A Giulia comilona nasceu logo depois, quando ficou na casa da tia Liza e para minha tragédia comeu cinco bananas ( eu havia dito a tia dela que ela não gostava de bananas ). Depois nasceu a Giulia vaidosa e só eu e ela saberemos quantos batons foram degustados nessa jornada. Em seguida nasceu a Giulia que contava histórias com seus livrinhos mágicos. Depois nasceu a bailarina, a musicista...

   Eu vi nascer todas essas Giulias, e muitas outras. Hoje vai nascer uma Giulia diferente e é um clichê lindo dizer que essa data é especial.

  É uma comemoração dela e um agradecimento meu silencioso, porque essa menina incrível que nasceu junto comigo naquela manhã de quarta-feira fria, me ensina tanto todos os dias que seria injustificável não agradecê-la.

  Queria ter te dado asas Giulia, queria ter de dado um castelo e um unicórnio. De tudo isso que eu sonhei, o mais perfeito aconteceu, já não tens mãos de graveto agora, tens quatro mãos fortes. As tuas e as minhas para sempre e para tudo que sonhares... Feliz aniversário querida!