Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sábado, 7 de julho de 2012

Sobre o impulso


Ajeitou-se na maior altura que sabia chegar. Fechou os olhos, podia sentir o vento que lhe era uma blusa macia, igual aqueles dias em que andava descalça por sobre as pedras, e a brisa tocava de leve. Olhar estático, dos que lembram; e acabam por perder-se no meio do que fica guardado. Não deveria ser permitido entrar em lugares assim. Poeira antiga. O rosto cru, de pele imaculada, pálido e marcado de tempo e dor. Não haveria de ser isso uma preocupação agora. Vestia branco. Por dentro cinza; cinzas de pura vida sem pausas, senilidades. As mãos com dedos de pontas frias; o frio sempre lhe chegara através dos dedos, logo alcançaria toda extensão de seu ser, ou do que fora. Era inverno; dos dois lados. Inteiro. Mesmo na ausência de percepções maiores, a estação mãe de todas as outras sempre lhe seria bastante clara. Marcas de um frio constante, cortante. Era tarde. Retrocedeu, dois passos para trás. Abriu os olhos. Vertigem. Seu reflexo estava impresso no vidro que por tanto tempo se recusara enxergar, outra cor. Feito de um verde assombroso. Nada que pudesse escrever conseguiria descrever aquela cor, ou toda carga de sentimentalidades que havia dentro daquelas pupilas. Nenhuma carta. Nem mesmo um bilhete. Sem adeus. Sem bagagens. Sem saltos. Nunca mais tiraria os óculos escuros diante de espelho algum.





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