Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Inútil escrever para os mortos


Nesse dia em que nada sinto, coloco-me a tua frente nua, desconstruída de todo meu eu, querendo nada ser.  Pensei na tua morte algumas vezes, senti o cheiro do teu túmulo enquanto me via arrancando tua pele em busca de alguma veia por trás da casca. Não imagines crueldade, não era isso, era apenas minha busca. Te queria vivo, comigo; com outros olhos, menos verdes e menos acusadores. Te queria vivo quando nasci, para que tivesses me sentido enquanto tua cria. Te queria vivo para que lambesses minhas dores de um nascer sem oxigênio, um sem respirar cianótico, um quase natimorto. Porque eu não nasci, e nem tu. Porque ficamos naquela incubadora e não vingamos. Porque senti tua falta e tu continuastes caminhando sozinho, nunca me destes calçados, tenho feridas nos pés agora;  não sinto mais essas dores, a  dormência cresceu em mim logo que o frio chegou e as vinhas pararam de brotar. Nada ficará entre parenteses, as cartas nunca serão lidas pelos mortos, ainda que destinatário e remetente estejam na mesma horizontalidade.



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