Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

O mapa rasgado


Voltando
Ou talvez fugindo pela direção contrária. Um avesso a tantos caminhos seguros, uma peregrinação solitária. Sem centro e sem buscar o norte de qualquer lugar. Como um não saber andar. Tantos passos com um mesmo sapato que a pegada já nasce deformada. Sem cercas e sem faixas de pedestres, por certo um caminho nada seguro. Uma busca perdida. Uma má sorte de ascendente em câncer e lua cheia em outubro. Um longo passeio entre tudo que ainda não é. As placas marcam uma direção invertida, melhor seguir a intuição, mesmo com as peças que sempre costuma pregar. Encontrar um lugar para curar a insônia ou que pelo menos o travesseiro estivesse vestido com a fronha de margaridas suaves, já gasta pelo tempo e com as marcas de um sono que demora. Um lugar para escrever tudo que a garganta não deixa passar, um tanto a deixar para trás. Existir longe desses passos que todo dia ecoam por sobre nossas cabeças na forma de alguém que não foi convidado a entrar. 


Besouros que alimentam-se de pó e olhos coloridos


É sempre um trabalho exaustivo arrumar as gavetas. Fica tanta coisa no fundo de algumas delas que acabam encobrindo a lucidez, a poeira acaba por tapar a coerência e o que nos resta é sempre muito pouco. Nunca o suficiente para que os vidros tenham um aspecto um pouco mais limpo pela manhã. É sempre algo difícil de se tirar; do fundo das gavetas e das superfícies lisas das janelas. Esse acúmulo permanece nas entranhas e corrompe a circulação das pernas, os pés permanecem gelados, não nos levam mais aos lugares claros. A retina também sofre com a poeira. Embaçamento. Sempre há algum besouro seco no meio de tanta coisa guardada, como se fizesse parte de um relicário à essa desordem humana que me consome. Movimentar mãos algemadas é doloroso. Correntes sempre machucam mais do que as cordas e são imensamente mais difíceis de soltar, e os olhos verdes sempre ficam na mesinha de cabeceira, dentro de um copo com água para manter a umidade e a lembrança do que ainda está por vir. 




domingo, 20 de outubro de 2013

A sombra pisada ainda dorme no chão


Já se passaram quatro dias do teu aniversário. É como se tivesse esquecido. Quase impossível permanecer indiferente. Teria te comprado um livro. Seria apenas mais um livro e quatro dias é muito tempo para um atraso. Teria te desejado felicidades, tive medo de imaginar como foi teu dia. A memória das xícaras, e em um momento egoísta quis que estivessem guardadas no fundo do armário e que tu nunca tenhas servido café à ninguém nelas. Queria que teu café tivesse terminado; Poderia te encontrar no mercado. Não teria mencionado a data. Seria inevitável não nos situarmos no tempo. Aquele mesmo tempo que perdemos entre agendas lotadas de vidas inacabadas. Restamos inteiros, porém vazios.

( possivelmente outro calendário se faça sem que tua marca esteja no dia de outubro )


quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Quando o engano tenta modificar-se


Os dias seguem uma certa rotina, já percebem-se flores caídas dos ipês, o frio parece ter nos deixado em estado de torpor, o mesmo torpor que nos mantém acordados. Uma réplica de vidas fragmentadas por mãos que desconhecem a profundidade por depois da pele do peito. Já amanhece mais cedo, e não acreditamos mais em segundas chances. A simetria do erro. Palavras soltas. Sempre é mais difícil adentrar uma nova estação pisando sobre antigos dias molhados de uma água salgada tão familiar a quem tenta viajar sem bagagens. Seria um engano imaginar que a mudança poderia acontecer em meio a tantas correntes.

( Seria um erro ainda maior acreditar que olhos verdes podem ver além da janela com tela )


terça-feira, 1 de outubro de 2013

É que talvez esperar seja verbo para ser conjugado no plural


Outra promessa e mais algum tempo. Agora temos um espaço entre alguns dias, ainda assim é só uma véspera, uma antecipação de algo que pode não ser, ou ser de alguma forma inesperada. É só um tempo de esperar e, acho que aqui cabe um pouco de tudo que deixamos em um passado não tão distante, tudo que ficou naquelas entrelinhas, o que fomos de mais bonito. O que tivemos e nunca nos pertenceu.  Nos resta esperar que a chuva nos molhe dessa vez e que a relatividade do tempo possa nos perdoar depois.