Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

sobre a próxima tatuagem


Era por demais pesado o existir em dias que buscavam uma outra forma de caber naquele corpo já exausto de uma vida que lhe chegava em gotas escassas de um temporal que nunca se fez chuva. Era um pesar; apenas um volume sobre o solo, a gravidade se fazia perceber e essa força por vezes amorteceu-lhe os pés. Um ficar. Um torpor. Se ao menos houvesse um único instante em que os sentimentos não lhe tivessem abandonado a carne, um único momento em que pudesse realmente encher os pulmões com uma respiração de puro significado de estar viva. Respirar, sentir e permanecer, verbos que lhe fugiram ainda na morada antiga. Uma conjugação em tempo inexistente, talvez desnecessário.

( e tatuou: forse mi bastava respirare, solo respirare un pò )



domingo, 27 de janeiro de 2013

Quando é hora de fechar a caixa e guardar o que não foi vivido


Noites que não acabam nunca. O dia que não se deve dizer o nome sempre é longo demais e o tapete continua marcado de um tempo velho. Tudo que ainda não foi já demora. Nada acontece que seja distante, tudo é antes da ponte, sempre no vazio. Uma espera sem diálogos; vazios que marcam. Falta o que foi dito; apenas letras, sem história. Nosso tempo agora no singular. Um medo virado. Os cachorros latem ainda mais no escuro e o sol sempre demora, através das sombras pode ser percebido o que não deve ser escrito. As fotos que nunca foram tiradas já estão na caixa, junto com a madeira para uma casa e as passagens para onde o frio é real. Não existe o lugar para onde voltar. E no fim de tudo acabei exatamente no meu início, preciso aprender que pés de manga não nascem no sul.


sábado, 19 de janeiro de 2013

Três meses quase dois


  Um medo ambíguo, era essa a definição adequada para o sentimento que experimentei durante anos. Esperava que não acontecesse jamais e ao mesmo tempo temia que nunca fosse acontecer.

  Era absolutamente assustadora a ideia de ser dominada por um sentimento que me fizesse perder a razão ou a coerência, depois sentia uma sensação de vazio junto com o alívio pelo suposto controle das emoções, temendo viver sem nunca ter provado o que é na maioria das vezes descrito como belo.

  Sempre vi os apaixonados como bobos e alucinados; acreditava na racionalidade; em buscar de alguém que se encaixasse no meu padrão pré determinado de pessoa especial. ( Fiz até uma lista com esses itens ).

  Alguém que gostasse muito de ler, com um bom gosto musical, que usasse camiseta branca e calça jeans lisa, que deixasse a barba por fazer algumas vezes, que soubesse escolher um bom vinho, preferisse o inverno ao verão, gostasse de cachorros e crianças. Alguém com uma individualidade bastante forte. Que tivesse pontos de vista diferentes dos meus, que gostasse de dormir e de cafés, que já tivesse viajado bastante e quisesse dividir alguns lugares e conhecer tantos outros.

  Bastava ser simples, sem carências absurdas e sem necessidade de complementos. Apenas uma companhia agradável e que fosse capaz de tolerar alguns momentos de silêncio demorado. Todo medo esconde sua causa nem sempre abstrata e algumas coisas devem permanecer guardadas.

  Penso que me reservei, talvez por um tempo suficiente para entender que todos os esforços racionais são inúteis e inválidos quando se trata de uma paixão. Não uma paixão avassaladora e cega que tanto me assustava, e sim um sentimento de bem querer; querer estar junto, perto. Querer dividir as novidades, encontrar a parte boa do dia, passar a madrugada conversando e nem ver o tempo passar, fazer planos de um futuro bonito.

  Planejar dividir livros, músicas, filmes, espaços, imaginar o amparo na hora difícil, a cumplicidade. Criar até soluções para as eventuais discussões e os " emburramentos ".

  Superei meu medo. Vivi o sentimento da maneira que sabia. Fiz o que me pareceu ser o melhor para ambos. Uma quase paixão? Talvez. Um quase amor? Poderia ter sido. Gosto de pensar que nos conhecemos na estação errada, amores de verão são rotulados com passageiros, superficiais e frágeis.

  Nos demos três meses, vivemos quase dois, e isso é muito para quem nunca teve um dia inteiro. O que fica é um sentimento de gratidão ao próprio sentimento. Ficou uma saudade enorme também, mas isso seria assunto para um outro texto, talvez no outono!


  

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Metade de tudo


Em alguns momentos minha pele ainda reage a tudo que fomos.
Não sei de que forma conseguiste tocar-me...
Foi um somente sonhar-te.


Acordei. Imóvel. Paralisada.
Emudecemos...
É tão urgente sentir-te.

( ainda temos o tempo, lembras? )








quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Saudade de ti


Uma nova mensagem... Não era tua!
Fones só para abafar todo o resto... Tudo é resto agora!



segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Sobre não fazer barulho


Um sem sentir; 
Tentei escrever algo que pudesse definir, não consegui. 
Não é sentimento, é sua mais absoluta ausência. 
Tudo permanece torpe, longe.
Faltam palavras;
Falta sentir;
Só falta... ( em silêncio )




domingo, 13 de janeiro de 2013

Noites Azuis de Joan Didion




Um livro sobre saudade, sobre perdas, mortalidade e tempo. Uma meditação melancólica sobre o que resta, e se o que resta é uma escritora, ela escreve.   

Noites Azuis ( Nova fronteira, 144 páginas com tradução de Celina Portocarrero ), o último livro da jornalista, roteirista e escritora americana Joan Didion, uma narrativa sobre uma mulher em um corpo frágil de 70 anos e que de repente se descobre só, após a perda do marido o também escritor americano John Gregory Dunne, e da filha adotiva do casal, Quintana Roo. 

Com uma linguagem extremamente cuidadosa, e capítulos breves, ( 35 no total ) Didion relembra a infância e juventude de Quintana, com especial atenção ao dia do seu casamento, descrevendo pequenos detalhes, como a sola vermelha dos sapatos e os jasmins em seu cabelo; 

Uma reflexão sobre sua filha, mas também sobre si própria e seu papel como mãe. De maneira muito sincera e sofrida, a autora nos apresenta seus questionamentos: Será que fiz tudo que poderia ser feito? Que detalhe passou despercebido? Que detalhe poderia fazer a diferença nos anos seguintes para evitar a fatídica saudade que hoje é sentida? Divide a dor do luto com seus leitores.

O livro anterior a este é o premiadíssimo O ano do pensamento mágico, onde o relato é sobre a perda do marido John. Noites Azuis é a continuação que Didion jamais imaginaria escrever. 

A autora entrega-se com todas suas marcas e conta sobre a mulher que restou em meio a perdas, sobre sua fragilidade e seu temor frente à sua completa solidão. E escreve, tentando manter Quintana e John vivos. Agarra-se a possibilidade de encontra-los enquanto vasculha memórias e relembra fatos para escrever.

Certamente um livro para ser lido à noite, de preferência na sala; 



Hoje todos os olhos são verdes. Assombrosamente verdes!


sábado, 5 de janeiro de 2013

Carta à um lugar


 Querido, amado e generoso Vale dos Vinhedos, antigamente eras apenas a Linha Leopoldina, agora te tratam com ares de sofisticação européia. Quero te pedir desculpas. Sim, te devo desculpas. Não apenas eu, mas todos nós que passamos por aqui e não te percebemos mais com os olhos simples de quando ainda não eras um personagem geográfico tão ilustre.

  Hoje ninguém te visita mais, apenas te passam. Entram em um ou outro lugar sem te cumprimentar, sem te olhar nos olhos. Tuas estradinhas ladeadas por plátanos sempre podados à mesma maneira não levam mais à ti, levam apenas aos teus inquilinos. É triste apenas passar. E justamente  aqui onde o tempo existe de uma outra maneira. 

  Não são somente vinhas frutadas, são histórias de nonos e tratores, chapéus de palha, calças beges remendadas, cestos de vimes, mãos ruspigas, pão no forno de barro, a figada no tacho de cobre, os gatos na sombra do cinamomo. A raspa do tacho é a melhor parte do doce, as hortas, a salada de raddicci com lardo, as baretas no encosto da cadeira de madeira. Um dialeto quase morto. 

  Fostes saqueado e engarrafado. Te vendem com denominação de origem descaracterizando a  própria origem. Tão somente um lugar com bastante lugares para serem visitados. Apenas uma ferramenta para índices de crescimento turístico. Uma marca.

   Tu és de uma safra especial querido Vale. Que seja um bom ano, reajas, perfume qualquer canto com o  cheiro dessas uvas sagradas, esses figos que são pura doçura e nos ensines novamente a passar por aqui com o encantamento que só a tua simplicidade sabe ter.

  Escrevo-te com todo meu carinho, peço perdão pela pressa e agradeço pela hospedagem em tempo de infância no pé de figo. 

  
  
  

  




quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Quando a retina mofa


Quando ressurge esse verde acusador nos teus olhos, desejo ardentemente arrancá-los, não de ti; de mim. Um desejo visceral, latente como um único sentimento na eminencia de materialização da força em minhas mãos nessa hora. Não quero mais que isso permaneça na menina que fui, adultou-se toda forma  de dor contrária. Tua retina é parte do que pesa em meus ombros. Tua presença é a falta de um simbolismo maiúsculo. Uma paternalidade cruel. Machuca-me a carne com a cor. Dói-me a frieza tua que agora corre por todo meu corpo. É gelo. Maldito sejas tu e todo teu amargor. Malditas sejam tuas pupilas que nunca reagem à leitura de outros olhos. Malditas sejam as lágrimas que brotam entre castanhos. Maldita seja essa minha insistência infantil em tentar permanecer aqui. Maldita seja eu descendente dessa tua linhagem mofada. 

( Porque escrever é sagrado e tu não sabes ler; a sombra dos mortos pousa na horizontalidade. Nunca saberemos entre tu e eu quem morreu primeiro )
Sobre os exercícios de afastamentos, sobre a libertação de uma ausência permanente. Sobre eu mentir em relação ao que sinto. Sobre querer deixar transbordar a raiva que brota quando derramas sobre mim tua frustração. Sobre a promessa de jamais trocar a água das tuas flores. Sobre a certeza de que não existirão flores naqueles dias. Certamente choverá. Nenhum de nós dois chorará, independente da ordem de ida. Sobre o que não vingou. Sobre teu vinho azedo. Sobre eu nunca ter me curado de ti. Sobre o erro. Sobre o tempo manchado. 


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Durma bem meu bem


Não importava a distância
Eu te dormia comigo




Quando moramos juntos ( sobre ser futuro )



( me arrepia te ouvir falando " nossa " casa ) Inimaginável sem música.

Eu fico com o encanto dos morangos e amoras, da cachorrada e dos gatos, da nossa criação de galinhas; Espero pelos nossos próprios rituais de sexta-feira, violão e fogueiras.
Promessas e tatames. Outros lugares também. 

( é uma linda Morada para logo ouvir coisas sobre o Amor )

Deixa eu fazer um jardim de margaridas aqui?


Bonito



Nossa vida era bonita naquelas madrugadas
Ou eram madrugadas bonitas em nossa vida?