Aqui é onde a terra se despe
e o tempo se deita..

(Mia Couto, A Varanda do Frangipani)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Foi-se esse tempo, já é hora de dormir


Chegou a hora de não estar mais lá, perdi o tempo de permanecer. As paredes brancas e o piso frio, ainda branco ou sempre em branco; um remendo. Desordem para o incio da sanidade, estou de saída. Vou sentir falta do jardineiro de todas as manhãs, do cheiro da garagem que nunca consegui descrever; deve ser algo da mistura do chão batido, com os móveis antigos e o monóxido do escapamento. O monóxido. Vem comigo velho jardineiro? Isso não deve constar nos teus planos, apenas uma pretensão minha, tenho medo de não reconhecer mais as ervas, tenho medo de encontrar só concreto sem floreiras; Gosto das pteridófitas; samambaias gostam de rituais, pedem água e são internas. Bonitas folhas espiraladas. As espirais sempre foram uma constante nos rascunhos, velhos sinais. São dezessete passos até a porta, foram duas portas novas, quatro fechaduras e seis chaves, dois alarmes e três esferas de concreto. Dois nomes, cinco corpos; dois registros de domínio, agora os emails voltam. Eu vou.


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Tudo foi feito pelo sol


Houve uma pausa
( silêncio )
- Te assustei?
- Não. Longe ainda.
- Longe, longe?
- Muito. ( outro silêncio e continua ) :
- Muito longe e cada vez mais perto;

( alguém ficou sem ar por alguns instantes )






quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sobre o mito, ou a quebra dele


É como se houvesse ameaça de rompimento da casca que permaneceu intacta sobre a pele por todo esse tempo. Não acho uma razão exata e nem consigo estabelecer uma ordem cronológica nos acontecimentos. Me sinto estranhamente vulnerável agora, e também indecisa entre o fugir e o permanecer. Nada foi planejado, e pode ser apenas um monte de projeções noturnas causadas por semanas de uma insônia alucinógena. Conexão. Ou é  apenas medo. Lendo alguns livros não consigo deixar de imaginar que poderia ser uma história e, ao mesmo tempo não consigo enxergar como possibilidade real. Escrever é tão mais seguro do que sentir, se é que pode-se escrever sobre o que não foi sentido, então sinceramente não sei. Faz tempo que não chove aqui, a cidade está seca. Sobre todo o resto, só posso afirmar que é a imunidade é impossível em dezembro.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Enquanto ainda é cedo


A manhã sempre chega lenta, parece nunca envelhecer. A noite é uma velha rancorosa e ainda lúcida. A água passa pelo corpo, retira os restos que grudaram na pele de horas de uma escuridão marcada por um suor seco. O café acorda para o dia quem nunca dorme; há espaço na xícara para um juramento. Melhor beber enquanto ainda é quente. Aqui as coisas mudam depressa demais; demasiado tarde agora, sem açúcar. Apenas um dia a menos no marcador de tempo, só mais algumas horas sobrando onde tudo falta. As ruas sempre estão vazias de pressa quando ainda o dia está por vir. Somente a igreja imponente na praça. Eu penso sobre me mudar. Ouço uma canção que fala sobre um lugar onde a inocência cabia antes das tempestades. 
Morning, Kepp the streets empty for me.




domingo, 25 de novembro de 2012

Temporária (mente)


O calendário deveria prever pequenas ausências, certas datas deveriam ser extintas; um espaço de tempo em branco. Esses dia tem sido feitos de uma matéria densa, e tudo ainda está por vir. Hora de tentar desfazer o inevitável. Paradoxos. Ainda não aprendi a existir, ainda não sou eu aqui nesse lugar onde ninguém habita; Um isolamento entre o espaço da janela até porta, a fechadura enferrujada. Horas arrastadas. Quantas vezes ainda será possível morrer antes que o relógio pare?

Os dias envelheceram na mesma proporção das coisas que faziam sentido. Deveria ter sido inversamente proporcional, em uma escala de tempo mais gentil. Nunca escreveu-se tão pouco. Seria preciso agora uma revisão em todos os cálculos de possíveis rotas. É doloroso rasgar os antigos mapas. É intenso o ato de desfazer; retroceder. Sobreviverão?




segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Orações improváveis


Nunca escrevi tão pouco, nunca escrevi. A cidade está seca, chove pouco. Não chove. A secura que faz lá fora é a mesma que chega até a garganta. A voz falha em uma rouquidão de areia e sal, em plena serra. Não existe mais conexão, o previsível deixou de fazer parte desse dia, não vou mais voltar. Quero entregar as chaves e deixar o piso empoeirado. Sair e não olhar o espaço em branco, jamais será novamente tão branco, não sei porque ainda me importo com o pó. Essa não é minha casa, apenas um espaço ocupado por alguém que vestiu-se de mim, nunca fui eu, nem estive aqui entre minhas coisas agora espalhadas. O mofo tomou conta do café que restou na xícara sobre a pia, apareceram pelos no mofo. Até o tempo tem sua validade quando preso em um lugar que não é seu. Até o relógio cansa e continua na mesma parede sem mais entender a ausência de movimentos em seus ponteiros.

( Não deixe uma carta desta vez, tente saber que horas são.)